sábado, 17 de janeiro de 2009

EVOCAÇÃO

Atrever-me-ia a sustentar como épica a nossa vivência naquele território num período de tempo superior a dois anos, carentes de tudo, suportando a impiedosa e húmida "canícula" de um clima não talhado para europeus, razão motivadora do encurtamento do período de comissãode serviço, relativamente às outras colónias.

Só que, pouco antes da nossa chegada os "ventos da mudança" que já se anunciavam, levaram a que, em virtude das dificuldades de recrutamento, se mudassem as regras de jogo, para que o esforço fosse estendido de dezoito para vinte e um meses ou mais.

A nós calhar-nos-ia um quarteirão deles...

O afastamento civilizacional a que nos expuseram durante o périplo percorrido, teve o condão de fortificar as relações de amizade numa entreajuda onde o espírito solidário fez escola.
Para ilustrar esta afirmação, recordo a título de exemplo, que em CAFAL-BALANTA, o terceiro grupo, orfão de oficial durante grande período da comissão, encontrou nos furrieis milicianos, onde modesta mas orgulhosamente me incluía , os responsáveis que também faziam serviço de reforço à noite nos postos de vigia.
É que... todos éramos poucos e o esforço deveria ser repartido para dessa forma suavizar os sacrifícios...

Em regressivas viagens que por vezes faço, e que julgo serem comuns a todos nós, dou comigo a "visualizar" os espaços que na altura ocupamos, mormente as COVAS DE CAFAL onde nos colocaram para servir de tampão no local de ataque possível, para protecção à companhia residente, e à qual ficáramos adidos dois grupos (1º e 3º...)
Revejo CAFINE e as edificações feitas à custa de tanto esforço para servir as populações.
Havia que atingir o objectivo de construção de forma a esperar que isso servisse, de acordo com a promessa, como prémio para a saída de local tão mau...
Surge-me o terreiro/parada de FATIM, de onde apressadamente, os cerca de trinta que lá
vivíamos nos escapamos para a mata quando o Silva, sob o efeito do alccol ameaçava matar tudo e todos...
E nós que havíamos passado as "passas do Algarve", não quisemos correr riscos, ficando assim várias horas "fora de portas" sujeitos aos tiros, que embora altos, foram por ele disparados na nossa direcção, bem como aos impropérios com que nos brindou durante esse tempo...
Com o passar do tempo e a diminuição dos disparos, fomo-nos aproximando até darmos com ele, caído de borco, espingarda a seu lado, ressonando ruidosamente...
Fôra "dono e senhor" do aquartelamento durante esse tempo.
Era bom moço o Silva, estava com um esgotamento motivado por nunca ter tido férias passados que tinham sido já cerca de dezoito meses desde que largara a capital alentejana após a formação do batalhão 4610...

Nessa FATIM onde o Boavista originou a "invasão" ao quartel, por parte da população farta de sentir os roubos de cabritos e porcos para as patuscadas do condutor e amigos próximos, e que tivemos muita dificuldade em suster.

Fomos "obrigados" a pagar metade da cabra escondida na vala pois face ao adiantado do mês os
"patuscadores" só arranjaram metade da inflacionada verba que por razões de justiça o proprietário atribuíra `aquele animal sacrificado aos apetites dos ditos...

Relembro BISSUM, os jogos de futebol na parada/terreiro e aqueles fins de tarde buliçosos com a chegada das lavadeiras, em especial as "bajudas" que traziam para além da roupa cheirando a limpo e engomado, um sorriso de provocação, de lascívia, num menear de ancas roliças fazendo subir os níveis de testosterona...
Revejo os milicias, Eusébio, Armando,Inchunfla e outros de quem já esqueci nomes ; vislumbro também os faxinas Sileiba, Maurício, e o pequenino "Sacana" que tinha três nomes ; o da tabanca, Sanhã, o da escola Joãosinho, e o do quartel , que a instâncias nossas e algo envergonhado acabava por proferir... Sacana do Caralho...

Nessa "revisitação" inquiria-me sempre dos seus destinos.

O almoço de confraternização de Junho 2006 proporcionou-me sentimentos antagónicos e desfez as minhas dúvidas quanto ao ocorrido com aquela gente que connosco conviveu largos meses.

Primeiro foi a incomensurável alegria no abraço ao Guinéu Armando, hoje colega de licenciatura em História, de quem o saudoso Lima corajosamente se fez irmão ; depois a tristeza por saber da morte do Barbosa ocorrida pouco antes, e do passamento do Pernicha que dissera presente no ano anterior, como que antevendo este desfecho, despedindo-se assim de todos quantos puderam aparecer em Fátima aquando do almoço ; e finalmente a raiva incontida, reflexo da informação trazida pelo Armando, que durante algum tempo trocara correspondência com familiares, relativamente ao sucedido a todos quantos lidaram de perto com a tropa...
O julgamento sumário dos milícias, e , pasme-se, dos faxinas, meras crianças que a troco de pequenos serviços ganhavam a sua alimentação e uns parcos pesos para além da comida que sobrava no quartel e que levavam para familiares, ÀS ORDENS DE CRÁPULAS GENOCIDAS do PAIGC como Cabral ou Nino, que hoje, graças a fraudulenta eleição, ocupa pela segunda vez a presidência do novel país, e a quem Gama, essa sebosa figura que dirige o parlamento português, então na qualidade de ministro dos estrangeiros, deu asilo político e cobertura, apesar de o saber criminoso de alto coturno, após a revolta intestina que lhe cassara o poder...

Mas a responsabilidade desses hediondos crimes não a imputo , em exclusivo, aos responsáveis referidos, endosso-a também às chefias de Lisboa, militares e políticas, que não souberam, ou
mais grave ainda não quiseram, acautelar as vidas daqueles servidores que, de forma abnegada, ao nosso lado, deram o melhor de si próprios...

Os filmes que a televisão estatal portuguesa passou estes dias sobre a Guiné evidenciam isso mesmo nas entrevistas a Pedro Pires, a um 1º cabo guinéu (da marinha) que afirmou peremptoriamente ter sido abandonado pelo poder político e militar nacionais e alguns
portugueses(?) como Vasco Lourenço na sua pose de "fazedor de revoluções"...

Se suspeitavade perseguição e hipotética prisão relativamente aos milicias, nunca equacionara o quadro de fuzilamento, muito menos para as crianças cujo único crime fôra o de teimar em estar vivos combatendo a fome a troco de pequenos serviços de faxina no quartel.
Infelizmente as valas comuns foram realidade nua e crua...

Onde estão as preocupações do mundo ocidental contra estes crimes monstruosos?
Porque razão os políticos portugueses(?) não exigem averiguaçõesexaustivas sob a égide das Nações Unidas por forma a que se faça justiça?
Estamos perante monstruosidades ao nível das de Bokassa ou Idi Amin...

Porque será que sindicatos e esquerda em geral não mobilizam forças como repetidamente acontecia sob o seu patrocínio quando se reclamava dos direitos humanos no Chile e Nicarágua?

Onde está o "senador" Soares sempre tão activo, e bem, contra Pinochet, Videla e outros ?
Onde está o espanhol (cidadão do mundo como Soares...) Baltazar Garzon " caça Nazis" ?

1 comentário:

  1. Olá caríssimo amigo e companheiro Maia
    Aqui estarei, sempre, lendo o que escreves, com a sapiência que a Universidade da vida te dotou.
    Um abração
    Fernando Teixeira

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